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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Aldeia Viva - um Fresco na adega


Aldeia Viva


Martin e Masha partiram. Deixaram a nossa casa, levando a pequena  Kettie Oktobrinka, agora mais crescida, mais independente e de cor mais rosada nas faces, um mês e vários dias depois de terem chegado.
Partiram em busca de espaço, do seu espaço de liberdade e de criação.

Seguiram o seu destino de artistas errantes, com os seus pequenos cadernos de cor acastanhada, que a todo o passo tiram da algibeira para esboçar um rosto, um pormenor do cenário, uma frase que desconheciam, o nome de um autor.
Levavam também um monte de bagagens, criteriosamente arrumadas em caixotes de bananas, por sua vez empilhados num carrinho artesanal por ele construído. Aquele carrinho, pintado de cores vivas, acompanha-os sempre, animando a sua itinerância.

Apesar do excesso de bagagem e do estorvo que isso pode causar a quem viaja de comboio, exibiam uma descontração absoluta, quer na atitude quer na sua peculiar maneira de vestir - a roupa ostentando ainda, marcas de tinta, restos de uma tarefa concluída, mas à qual parecem teimar em permanecer ligados.  Aquelas manchas multicolores a borrar a indumentária, prendem-nos a uma obra que deixaram para trás, depois de um mês de entrega absoluta. Arrastam consigo as marcas do trabalho. São trabalhadores, como diz Martin, num texto de trinta e tal páginas que nos deixou, onde disserta sobre o mural e a sua passagem pela Casa da Caldeira. 
Partiram ligeiros, como se levassem apenas uma mala leve e o meio de transporte fosse um carro próprio, que pudessem estacionar quando e onde lhes apetecesse.
Deixámo-los na estação de Santarém, no meio de gestos um pouco atabalhoados, despedidas emocionadas, com o comboio quase a entrar no cais.

Martin, ainda em nossa casa, parecia não querer separar-se da obra que nos deixou pintada na adega - havia sempre mais qualquer coisa a prendê-lo àquela superfície de parede, agora policromática e luminosa pela qual se apaixonou, quando ainda não passava de um espaço branco e deslavado, logo nos primeiros dias, e também noites, que ali esteve a ler e a meditar.
Os livros que descobriu na estante do pequeno apartamento contíguo à adega, onde ficaram instalados durante a sua estadia, tiveram o dom de o encantar e despertaram nele alguma inspiração meio adormecida. A tal ponto, que logo abandonaram o "modesto" projecto de passarem dois ou três dias a pintar telas, com os olhos cheios da belíssima paisagem que se ergue por trás da nossa casa: colinas arredondadas, competindo com encostas abruptas, por onde trepam, a custo, velhíssimas oliveiras e restos de mata mediterrânica, de arbustos rijos e espinhudos, a esconder fragas e tocas de bichos.
O trabalho foi árduo, com alguns acidentes pelo meio, e nós vimo-lo crescer, ansiosamente, satisfazendo, sempre que era preciso, alguns pedidos para compra de materiais (os pigmentos com que criaram as tintas, eram deles, assim como os pincéis e... a arte).

Agora, a obra está feita, Martin chamou-lhe Aldeia Viva e, perante ela, não temos palavras. Muitos dos elementos que a compõem têm um significado que conseguimos descodificar, conversámos muito sobre isso, e sabemos que se baseou em velhas histórias de família, aventuras e episódios romanescos, que lhes íamos contando, as relações sociais neste meio rural. O resto, foi a alma do artista que falou e só ele saberá.

Quanto a nós, sabemos que a adega nunca mais voltará a ser o que era - as pipas e as alfaias antigas, ali continuam, estáticas, na sua imobilidade de objectos em desuso, mas o Fresco veio dar-lhes vida. O Fresco é dinâmico, fala-nos de gente.

 Martin começou por  remover todo o reboco de cimento da parede, usando um martelo pneumático. 
 Em seguida, fez novo revestimento, à moda antiga, com areia, cal e outros materiais 
(restos de telhas e  tijolos moídos e agulhas de pinheiro - o pintor mexicano, Diego Rivera, por exemplo, 
usava pelos de cabra).

Martin trabalha numa a maquette, em cartão, fazendo aí os estudos para o futuro fresco,
enquanto Masha, sua preciosa colaboradora e crítica, faz fotografias do estado da obra.

Martin dividiu a parede em seis secções. Aqui, já se podem ver três secções pintadas.

 Martin no andaime, pintando e em pé, no chão, Oktobrinka
iniciando-se na pintura, com um pincel quase do seu tamanho.

O magnífico fresco já concluído, vendo-se a porta que dá para o apartamento,
ainda protegida por um plástico

2 comentários:

  1. É realmente uma obra magnífica, num espaço inusitado, tem brilho e tem alma.
    E a doçura das palavras que descrevem o processo da sua realização tem tudo isso também, é sentimento, é delicadeza, é a Ani.

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    1. Agradeço as suas simpáticas palavras. Será sempre bem vinda à Casa da Caldeira.
      A.Braga

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