Quem somos

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

"Todo o trabalho parece leve a quem o não passa" (provérbio)



   
       




A chuva tomou-nos de assalto! De repente, sem avisar!
Trazia companhia a empurrá-la, um vento agreste, frio, nada amistoso, que devia estar preso em algum lugar remoto e que agora se soltou e vem esperneando como um cavalo selvagem.
O céu toldou-se e caiu sobre nós uma cortina opaca a encobrir a paisagem.

Para mim é sempre triste o regresso do Outono, sobretudo quando ele me entra assim pela porta dentro, sem aviso prévio. Confesso que não estava preparada e invadiu-me uma nostalgia do Verão que se foi, numa despedida “à francesa”.

Já tenho saudades do sol e do calor, das manhãs luminosas povoadas de bandos de pássaros chilreantes, das tardes em que procuramos as sombras das árvores, agora tão fustigadas pelo vento, ou do por do sol fulgurante, a pintar os montes de cores irreais.


A chuva é necessária e fazia falta, mas podia vir de mansinho, em doses
moderadas, sem fazer grandes estragos. Não falo só dos estragos que causa nos nossos estados de alma, esses tratam-se bem, com um chá quente, uma roupa mais aconchegante, uma boa leitura, uma companhia agradável…
O problema mais grave são os malefícios que tal mudança tão repentina pode causar, por exemplo à agricultura, uma questão pouco perceptível para aqueles que vivem na cidade, para quem a chuva é apenas uma grande maçada - porque ficam encharcados se saem à rua, sem guarda chuva, ou porque o trânsito pára, ou porque os bueiros entopem.

No campo, os prejuízos são diferentes. Os produtos que ainda estavam na horta, a amadurecer - como os tomates -,  ou as frutas nos pomares - como os figos -, perdem-se de vez. As nozes já colhidas e libertas das suas capas verdes, se não secam devidamente,  ficam com bolor, as uvas, que não foram ainda apanhadas, apodrecem nas cepas.

Na Casa da Caldeira, transformamos produtos hortícolas e frutas, fazendo compotas e patés de forma artesanal. O Outono é, por esse motivo, uma época de grande azáfama e de preocupações, relacionadas com o tempo atmosférico e com as “partidas” que ele nos pode pregar e, claro, com a qualidade dos produtos que preparamos.
Alguns dos produtos já foram confeccionados e devidamente embalados, como o doce de tomate, o tomate seco ao sol ou o paté de tomate. Mas muito há ainda por fazer. Os trabalhos não param e penso muitas vezes: “Será que as pessoas, quando pegam num frasco
de doce ou de paté, consultam o preço e ponderam se o hão-de levar ou não, imaginam todo o trabalho, amor e empenho que ali está encerrado?”

Aproveitamos para agradecer aqui a todos os nossos colaboradores que, por estes dias, talvez com saudades do Verão e de manhãs luminosas, dos bandos de pássaros e do por do sol fulgurante, se afadigaram, apanhando nozes e muita chuva à mistura, tomaram conta do fogão e do estado da fervura dos doces, contribuíram com as suas opiniões e se preocuparam em acautelar e preparar tudo para que possamos ter nas prateleiras os nossos produtos com a sua qualidade habitual.

Sem todos vós, Beatriz, Odete, Luís, Joaquim e Albertino, a Casa da Caldeira não seria o que é.







quarta-feira, 5 de junho de 2013

Aldeia Viva - um Fresco na adega


Aldeia Viva


Martin e Masha partiram. Deixaram a nossa casa, levando a pequena  Kettie Oktobrinka, agora mais crescida, mais independente e de cor mais rosada nas faces, um mês e vários dias depois de terem chegado.
Partiram em busca de espaço, do seu espaço de liberdade e de criação.

Seguiram o seu destino de artistas errantes, com os seus pequenos cadernos de cor acastanhada, que a todo o passo tiram da algibeira para esboçar um rosto, um pormenor do cenário, uma frase que desconheciam, o nome de um autor.
Levavam também um monte de bagagens, criteriosamente arrumadas em caixotes de bananas, por sua vez empilhados num carrinho artesanal por ele construído. Aquele carrinho, pintado de cores vivas, acompanha-os sempre, animando a sua itinerância.

Apesar do excesso de bagagem e do estorvo que isso pode causar a quem viaja de comboio, exibiam uma descontração absoluta, quer na atitude quer na sua peculiar maneira de vestir - a roupa ostentando ainda, marcas de tinta, restos de uma tarefa concluída, mas à qual parecem teimar em permanecer ligados.  Aquelas manchas multicolores a borrar a indumentária, prendem-nos a uma obra que deixaram para trás, depois de um mês de entrega absoluta. Arrastam consigo as marcas do trabalho. São trabalhadores, como diz Martin, num texto de trinta e tal páginas que nos deixou, onde disserta sobre o mural e a sua passagem pela Casa da Caldeira. 
Partiram ligeiros, como se levassem apenas uma mala leve e o meio de transporte fosse um carro próprio, que pudessem estacionar quando e onde lhes apetecesse.
Deixámo-los na estação de Santarém, no meio de gestos um pouco atabalhoados, despedidas emocionadas, com o comboio quase a entrar no cais.

Martin, ainda em nossa casa, parecia não querer separar-se da obra que nos deixou pintada na adega - havia sempre mais qualquer coisa a prendê-lo àquela superfície de parede, agora policromática e luminosa pela qual se apaixonou, quando ainda não passava de um espaço branco e deslavado, logo nos primeiros dias, e também noites, que ali esteve a ler e a meditar.
Os livros que descobriu na estante do pequeno apartamento contíguo à adega, onde ficaram instalados durante a sua estadia, tiveram o dom de o encantar e despertaram nele alguma inspiração meio adormecida. A tal ponto, que logo abandonaram o "modesto" projecto de passarem dois ou três dias a pintar telas, com os olhos cheios da belíssima paisagem que se ergue por trás da nossa casa: colinas arredondadas, competindo com encostas abruptas, por onde trepam, a custo, velhíssimas oliveiras e restos de mata mediterrânica, de arbustos rijos e espinhudos, a esconder fragas e tocas de bichos.
O trabalho foi árduo, com alguns acidentes pelo meio, e nós vimo-lo crescer, ansiosamente, satisfazendo, sempre que era preciso, alguns pedidos para compra de materiais (os pigmentos com que criaram as tintas, eram deles, assim como os pincéis e... a arte).

Agora, a obra está feita, Martin chamou-lhe Aldeia Viva e, perante ela, não temos palavras. Muitos dos elementos que a compõem têm um significado que conseguimos descodificar, conversámos muito sobre isso, e sabemos que se baseou em velhas histórias de família, aventuras e episódios romanescos, que lhes íamos contando, as relações sociais neste meio rural. O resto, foi a alma do artista que falou e só ele saberá.

Quanto a nós, sabemos que a adega nunca mais voltará a ser o que era - as pipas e as alfaias antigas, ali continuam, estáticas, na sua imobilidade de objectos em desuso, mas o Fresco veio dar-lhes vida. O Fresco é dinâmico, fala-nos de gente.

 Martin começou por  remover todo o reboco de cimento da parede, usando um martelo pneumático. 
 Em seguida, fez novo revestimento, à moda antiga, com areia, cal e outros materiais 
(restos de telhas e  tijolos moídos e agulhas de pinheiro - o pintor mexicano, Diego Rivera, por exemplo, 
usava pelos de cabra).

Martin trabalha numa a maquette, em cartão, fazendo aí os estudos para o futuro fresco,
enquanto Masha, sua preciosa colaboradora e crítica, faz fotografias do estado da obra.

Martin dividiu a parede em seis secções. Aqui, já se podem ver três secções pintadas.

 Martin no andaime, pintando e em pé, no chão, Oktobrinka
iniciando-se na pintura, com um pincel quase do seu tamanho.

O magnífico fresco já concluído, vendo-se a porta que dá para o apartamento,
ainda protegida por um plástico

sábado, 6 de abril de 2013


Os Viajantes



Nesta fase da vida, apetece-me estar no meu canto. Agrada-me uma certa rotina. Faz-me falta a minha ”zona de conforto”, como agora se diz, um lugar perto da janela, onde possa ler um livro, tomar o meu chá ou um bom copo de vinho e olhar de vez em quando através dos vidros, para observar as mutações do cenário ou as brincadeiras domésticas dos gatos e dos passarinhos.

Se o tempo deixar, saio, sento-me no quintal, vagueio pelos campos em redor, faço jardinagem, respiro o ar puro, aconchego-me à sombra das árvores. Fecho os olhos e deixo-me envolver no abraço revigorante dessa entidade suprema, que me transcende e da qual também faço parte – a Natureza, na sua multiplicidade de cores e de sons, dinâmica como um mar encapelado ou um céu por onde correm nuvens.

Noutros tempos, gostava de me aventurar por longínquas paragens. O desejo de evasão era mais forte e superava a ansiedade que me poderia assaltar, quando no outro prato da balança estivesse o bem-estar, a segurança ou a previsibilidade do meu dia-a-dia.

Talvez por me sentir actualmente, mais propensa ao sedentarismo, mais presa a hábitos e a espaços com os quais me identifico, me sinta fascinada, quando conheço alguém capaz de se lançar à aventura por esse mundo fora, disponível para viver a vida, tal como ela lhe surja ao virar da esquina, sem excessivas preocupações com o dia de amanhã- “free as a bird”.

Masha e Martin são como as aves – são jovens, descontraídos, sem ambições pretensiosas, criativos. E adaptam-se aos lugares que vão habitando. Curiosos, apreciam o que se esconde para lá do óbvio, procuram mergulhar na essência das coisas.

Estes novos amigos e a sua filhinha Kettie, vêm de longe e ficarão algum tempo entre nós, na Casa da Caldeira.  São artistas plásticos – ele alemão e ela ucraniana – transformaram a  adega no seu atelier temporário, um espaço de criação, onde além de desenhar e pintar, o Martin toca violino.

 Reconhecidos pelo acolhimento que lhes fizemos, irão decorar uma das paredes com um fresco alusivo à vida no campo. Será talvez um mural festivo, a lembrar o trabalho na terra, o dinamismo da vida rural, a alegria da preparação e da partilha da comida em torno de uma grande mesa, a celebração no fim de uma tarefa…

Tal como eles, o sol chegou, de surpresa. Entrou-nos em casa logo pela manhã e bateu nos vidros, como um viajante há demasiado tempo ausente deste poiso. Encheu de luz o meu canto atrás da janela e espalhou-se pelo jardim. Deu mais cor às flores, acordou os pássaros,  tornou os verdes mais brilhantes e alegrou-me a alma.

É tempo de sair e aventurar-me num passeio curto. No entanto, vou estar atenta a tudo o que me rodeia  - ver para além do óbvio.







quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013




       Momentos de uma tarde preguiçosa...

                                    a caminho da Primavera